quinta-feira, 26 de julho de 2012

"Seu" Hipácio



Sempre cumpria o ritual.
Andava na Guaranésia e encarava às vezes a subida da Varginha. Quando o pouco sono afetava a qualidade de seu caminhar, ele descia a Plombagina e chegava ao Centro para tomar seu cafezinho. 
O papo, segundo ele, durava pouco, mas era o suficiente para valer a volta no dia seguinte. 
Talvez contassem casos do passado ou até estranhassem afirmações de que o mundo seria controlado por teclas. 
Ele escapava dos assuntos de futebol, os médicos já tinham falado há muito tempo que as emoções com um certo alvinegro estavam suspensas, e devia observar o andar apressado daqueles moços.
O sol não castigava seus cabelos brancos e seus passos eram sempre bem ajudados, um chapéu e uma bengala eram os grandes amigos nas manhãs. 
Um copinho a mais e já chegava o tempo de ir até a Espírito Santo para pegar o Viação Andrade Costa.
O almoço tinha angu, arroz, feijão batido e um ovo cozido. O relógio cantava a hora da cadeira de balanço. Trança os dedos pra lá e depois pra cá. Horas de dedos nervosos e aparência calma e serena. Um sorriso para o neto e mais um café. 
Alguns sorrisos e um brilho nos olhos. Uma ideia: jogar xadrez e ensinar a quem ele amava. A cabeça do netinho custava a se concentrar. Curioso, o menino olhava para as peças e para a velocidade dos dedos se mexendo. Arriscava um cavalo e ameaçava com o bispo.
A velha televisão facilitava o trabalho da cadeira de balanço e mais um dia...menos um dia. O sol chegava junto com a disposição de subir de novo a Varginha.
Seu Hipácio nunca foi meu herói.
Seu Hipácio talvez nem fosse um modelo. Mas ao olhar minhas mãos sempre vermelhas vejo que carrego marcas muito fortes dele.
Não foram muitos os momentos de carinho, mas sempre percebi o seu olhar e seu cuidado.
O sorriso antecedia a tosse, que fazia os dedos tremerem mais.
E com os braços para trás, ele se punha de pé e buscava o chapéu para mais uma jornada.

Nem sabia que o tal dia do avô existia, mas ele faz todo sentido pra mim.